quarta-feira, 29 de abril de 2009

ALGUÉM FAÇA ALGUMA COISA

AUTOR: SÍLVIO NAKANO

PERSONAGENS:

JOSUÉ, MULHER, VOVÔ, NETINHO, UM HOMEM MORIMBUNDO

Cenário: Uma rua deserta.

(Entra em cena um homem ferido. Com dificuldade dá alguns passos meio cambaleando. Pára. Leva a mão ao abdômen. Está ferido e perdendo sangue. Respira com dificuldade. Dá mais uns dois ou três passos, caindo desacordado). (Entra em cena Josué. Ele se veste de bermuda e regata, com seu boné e Havaianas. Distraído brinca com um io-io *)
(* Poderá ser uma bola de borracha, um minigame, etc.)
(Josué estoura uma bola de chiclete. Ainda distraído quase tropeça no corpo estendido no chão).

Josué: (Levando um susto, salta sobre o corpo) Meu Deus, o que é isso? (Para o homem) O senhor não esta passando bem? Está precisando de ajuda? (Examinado o corpo) Talvez um médico? (Josué tenta perceber se alguém se aproxima).

Josué: (Para alguém fora de cena) Hei, você! Me ajude! Tem um homem ferido aqui. Ele está precisando de um médico. (Furioso) Virou as costas. Queria ver se fosse com tua mãe, seu... seu...

(Pelo outro lado do palco entra em cena uma mulher)

Mulher: (Curiosa) O que aconteceu?

Josué: Ele está desmaiado. Parece que levou uma facada. Está perdendo muito sangue. (Lançando-lhe um olhar de desafio) Alguém precisa chamar uma ambulância.

Mulher: (Fingindo não entender a indireta) Você tem razão! Alguém precisa chamar uma ambulância – e depressa! (Insinuativa) Antes que seja tarde demais. (Noutro tom) Vem vindo alguém aí! Talvez possa ajudar.

(Entra em cena vovô e seu netinho)

Netinho: O que está aconteceu com aquele homem, vovô?

Vovô: Só pode ser um vagabundo! Deve ter bebido além das contas.

Netinho: É, vovô! Só pode ser um pinguço!

Vovô: Ele deve estar num coma alcoólico. (Josué examina o corpo)

Josué: (Para o Vovô) Não, não há cheiro de álcool. Ele está ferido.

Vovô: (Observando melhor o corpo) Coitado! E... alguém já chamou uma ambulância?

Josué: Ainda não encontramos ninguém que esteja disposto ajudar.

Vovô: Alguém precisa chamar uma ambulância. Este homem pode morrer aqui na rua. Alguém, chame uma ambulância!

Netinho: (Aproximando-se do corpo) Ambulância? Que emocionante!

Vovô: (Puxando-o pelo braço) Quietinho, seu xereta! Não fale assim. Você está envergonhando o vovô.

Mulher: (Em desespero) Ele já perdeu muito sangue. Tá precisando de um médico com urgência.

Josué: É isto mesmo! Alguém chame uma ambulância. Pelo amor de Deus!

Vovô: (Para Josué) Você o conhece?

Netinho: (Lançando um olhar sobre o corpo) Não parece o Arnaldo? Ë o Arnaldo!

Vovô: Não é! Eu nunca vi este homem antes.

Mulher: Chega de conversa! Vamos chamar uma ambulância.

Netinho: (Tentando se aproximar novamente do corpo) Será que ele ainda está vivo, vovô?

Vovô: (Puxando-o pelo braço) É claro que está! Não fale bobagem.

Mulher: (Vai até a extremidade do palco) Será que alguém já ligou para o pronto-socorro?

Josué: (Aproximando-se dela) Acho que não tem telefone aqui por perto.

Netinho: Será que ele tem plano de saúde?

Vovô: Menino, agora isso não interessa. Uma vida precisa ser salva.

Mulher: (Em angústia) Será que alguém já chamou os médicos?

Josué: (Num desafio) E por que não vai a senhora?

Vovô: E isto mesmo! Só discute, discute e não faz nada.

Mulher: Que cavalheiros vocês são, hein!

Vovô: (Para Josué) Você ainda é jovem... por que não vai você?

Josué: Eu não! Cheguei primeiro e já fui tomando providências. (Mulher e Vovô lançam-lhe um olhar) É... bom... fui eu que comecei a tentar encontrar alguém para ajudar. Além do mais... (Examina o corpo) Alguém precisa ficar cuidando dele enquanto os médicos não chegam. Por que não vai o senhor?

Netinho: É sim, vovô, vamos!

Vovô: (Tossindo) Eu já sou velho. Sou fraco. Não posso fazer grandes distâncias. Vá, você!

Josué: (Ainda examinando o corpo) Vá o senhor!

Vovô: Eu não vou!

Josué: (Percebendo algo de estranho) Silêncio um pouquinho, por favor!

(Josué examina com mais cuidado a vítima. Não acreditando no resultado tenta sentir seus batimentos cardíacos)

(Josué lentamente levanta-se)

Josué: (Engolindo as lágrimas) Eu lamento!

Mulher: Eu não acredito!

Vovô: Não pode ser!

Josué: (Protestando) É uma pena que o Governo não faz nada pela saúde. Hoje poderia ser salvo uma vida.

(Hipocritamente, os personagens abraçam-se num consolo mutuo).
(Netinho é o único que fica de fora)

Josué: (Para a Mulher) Não fique assim! Ajudá-lo não estava a nosso alcance.

Vovô: Foi uma pena!

Netinho: E agora? Quem será que vai chamar a funerária?

Vovô: Sai daí, seu xereta!

(De mãos dadas os personagens saem de cena)

Josué: Hei, vejam! Alguém já tinha percebido aquele pronto-socorro ali em frente?

Nenhum comentário:

Postar um comentário